Monday, January 14, 2013

Notícias de leão sedado

Caros chefe leão e sobrinho leão:
No termo desta baixa que já conta 5 dias passo a dar notícias como vai o meu olhito, por coincidência o direito. Como informação prévia referirei que o termo "olhito" é a designação imperativa do olho corrente, logo que se entra numa clinica oftalmológica e uma prestimosa enfermeira se aproxima e inquere ao paciente entrante "qual é o olhito" ou "abra o olhito" para que no dito possa deposita a gotita a intervalos de 10 minutos sem falhar. Eis-me portanto na sala de recepção pontualmente às 08.00 da manhã de 7 de Janeiro para ser o primeira vítima a entrar na fábrica de chouriços oftálmicos de 2.ª feira passada.
Armado já com o olhito lacrimejante há que vestir o equipamento que consta, de cima para baixo, de um barrete verde, uma bata verde que abre para trás (vá lá sobre a cueca por causa da moralidade vigente), sapatos verdes por cima das peugas e complemento de roupão verde  que abre para a frente... não se engane senhor baptista ... deite-se aqui na marquesa ... aguarde senhor baptista que o senhor doutor ainda não chegou... qual é o olhito senhor baptista...abra o olhito senhor baptista.
Segue-se um período de profunda reflexão durante a espera olhando o teto falso branco e os tubos de neón.
Vamos então senhor baptista, movimentos diversos da marquesa - rotação e translacção na procura do caminho - vira à direita e depois à esquerdo e depois já me não lembro e assim nunca poderei dizer à polícia para onde os bandidos me levaram - os os tubos de néon a deslizar anarquicamente até que finalmente eu e marquesa paramos por baixo de um polvo com uma data de ventosas hexagonais.
A cena muda então. Intuo estar na designada sala de operações, tudo branco no teto e, ao que suponho, tudo o que mexia estava de verde. Voz lateral ...como vai senhor baptista, então qual é o olhito? Sou a enfermeira e chamo-me ofélia. Pausa - o seu nome é com p ou sem p? Quis acabar com a conversa sendo objectivo - antónio santiago baptista...eu também sou santiago, de onde é... vai sentir uma picada ... da bairrada...eu não... está confortável...onde ponho as mãos ...daqui a pouco já vai ter onde as pôr. Chega o doutor - bom dia como está - e começa a preparaçãp dos equipamentos durante uns largos minutos e volta a enfermeira para colocar um tubo por cima do meu nariz...não se assuste que é para o oxigénio pois vamos tapar lhe a cara... o doutor entretanto instala uma espécie de microscópio sobre o olhito e imagino eu deve ser o laser...ouve-se tilintar de instrumentos metálicos
O doutor aparece com um rolo de plástico verde escuro...diz-me olhe para baixo e afinfa-me com o rolo sobre olhito e estende-me uma espécie de mortalha verde sobre a cabeça (bem haja o oxigénio) e começou a fazer um buraco sobre olhito e só então me apercebi que  me tinham capturado o olhito que estava completamente aberto e fora do meu controle, sem que pudesse pestanejar - foi a troika?. As coisas começavam a complicar-se.
Acabado o prólogo e os entretantos passava-se aos finalmente.
Após quantidades industriais de analgésicos, o que restava do meu olhito imobilizado observava com dificuldade à transparência o que passava do lado de lá e o que se passava envolvia cortar, repuxar, utilizar uma espécie de aparelho que zumbia baixinho - queixo para baixo...olhe a luz... até que, passada uma eternidade, o senhor doutor declarou triunfantemente. já chegámos a meio...que grande catarata como é que conseguia ver através disto ... aliás mais de meio por que o que se passou a seguir foi rápido - só aplicar a nova lente, aparafusá-la, repuxar as membranas, mais toneladas de lavagens. retrair os adesivos, fechar o olhito, abrir o olhito... senhor baptista a medicação é esta... não pode abaixar-se nem fazer esforços... correu tudo muito bem... amanhã às 9 na consulta. Aí vai a marquise na brasa no circuito inverso... senhor baptista até pode ver televisão... pode vestir-se e não se esqueça de nada.
Quando saí do hospital até julgava que estava tudo acabado e só não ia a guiar para não frustrar os cuidados maternais da Manuela. Mas não estava tudo terminado, a luz era ofuscante e tinha um circulo vermelho que tapava quase todo o campo de visão, tinha dores com a impressão de ter uma tranca espetada, a televisão eram facadas, que tudo tinha corrido mal, etc, etc, enfim tudo coisas que ocorrem à mente dos humanos quando estão borradinhos... Optei então por abdicar da esperança e refugiar-me no estado de  irresponsabilidade que só o sono dá.
Na manhã seguinte foi uma alegria: o mundo estava todo mergulhado numa forte luz branca de néon, que quase cegava e eu não o reconhecia. Toda a natureza tinha sido lavada em Tide e Skip e apresentava uma brancura imaculada, as flores, os semáforos apresentavam cores vivas, o verde azulado dos led era mesmo verde e a minha óptica pessoal estava toda refundada para um lado positivo. Uma ver terminada a euforia do desvirginamento do olhito direito caí em mim e fiquei ciente que ainda  tinha um olho que se regulava ainda pela antiga constituição: o esquerdo via tudo amarelado e triste e ainda lá estava a embaciar os clamarosos resultados do olhito. Mas rapidamente me apercebi das vantagens de, durante mais de um mês e até que o olho esquerdo também seja promovido a "olhito", de olhar através de um e do outro apercebendo-me de como é agradável comparar as situações: a amarelismo e a tristeza do olho à esquerda com a fulgurância néon e o optimismo do olhito à direita, pelo que ando por aí nos lugares públicos a apreciar a diferença entre as duas paisagens, isto é a piscar a torto a direito, chegando mesmo a ser inconveniente.
Tode este relambório para vos informar que as limitações nos esforços e no andar de gatas me impossibilitam de regressar brevemente ao vosso prezado convívio, mas tive a garantia do senhor doutor para já estar junto a vós com os dois olhitos operacionais quando o futuro presidente do Sporting cumprir a suicidária determinação dos Deuses  de ir visitar a nossa centenária agremiação logo após a tomada de posse. De qualquer modo já paguei as quotas do trimestre.
Um abraço a todos
Santiago

No comments: